Toda industria vive de produzir e vender, o que não é necessariamente simples. Se essa industria é editorial ela produz texto que deve ser comprado por alguém. Para agregar valor a esse conteúdo há relacionamento com outras indústrias: primeiramente com a gráfica, incluiu-se a radiodifusora, cinematográfica, mais recente com a computação, dados e redes.
O nosso assunto é livro e este é composto de dois ativos: capa e conteúdo. Destrinchando a capa temos os valores: título, autor, selo editorial e arte gráfica. Já o conteúdo tem os valores de leiturabilidade, agradabilidade, coerência, coesão e a informação. O conteúdo junto com autor definem valores como autoridade, confiabilidade e referência. Para se iniciar a venda é na capa aonde há mais poder sobre o impulso do comprador. No entanto o conteúdo é capaz de dar solidez as vendas.
Pensar um livro enquanto ativo de uma indústria faz parecer frio, mecanizado e até desinteressado dos valores humanos. Mas voltemos ao fato de que não é necessariamente simples. Um dos grandes assuntos da indústria são os carros, se te leva de um ponto ao outro mais rápido que a cavalo e a um custo viável, já há clientes. Porém, se for bonito, confortável e eficiente, terá clientes que pagarão muito mais caro. No entanto se temos textos legíveis em um impresso ou arquivo digital, não significa que teremos cliente, talvez nem leitores. Logo precisamos de agregar valores para ter a escolha das pessoas. O que nos faz uma das indústrias mais humana, pois o nosso valor mercantil está intimamente relacionado ao nosso poder de se fazer presente no pensamento e na cultura.
Qualidade e o sucesso editorial
Algo que é intrigante em nossa indústria é a relação da qualidade com o sucesso. Se pensarmos em, por exemplo, um ventilador, quanto mais vento fizer, menos barulho, menos consumo elétrico e maior a durabilidade, logo se tem um melhor ventilador. Mas o que é qualidade para um texto? Se seguirmos a linha de sucesso ainda vigente, para a editora lucrar, o texto de qualidade é aquele que será consumido pelo maior número de pessoas que aceite pagar o maior valor possível, gerando um produto de maior rentabilidade. Mas se girarmos esse caleidoscópio de imensuráveis possibilidades teremos outros valores como a ética e a representatividade, dentre muitos outros. Muitas vezes esses valores podem se contrapor como ao questionar os agentes da pós verdade ou mesmo o choque cultural ilustrado em “Pra que discutir com madame” canção de João Gilberto.
“(…)
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que samba é vexame
Pra quê discutir com madame?
(…)”
Representar a cultura brasileira
No Brasil, historicamente, temos uma indústria editorial muito mais próximo da “madame” do que do samba e as outras representações da cultura brasileira. Esse fato se representa desde a distribuição das livraias no território nacional até aos nomes que tem oportunidade de ocupar a maior parte de suas prateleiras. A maioria dos livros com destaque nas livrarias tradicionais são traduções de autores estrangeiros. Já os outros presentes são em maioria os potências filhos da “madame”. Mesmo que a questione, como fez Gilberto em seu lugar de privilégio. Porém quando a era digital passa influenciar na relações culturais, a cultura dominante perde força, permitindo que outros valores façam maior influência na leitura e seu consumo.
Hoje, e acredito que cada vez mais, a possibilidade de romper a relação do catálogo acessível com a estrutura das livrarias físicas. Isso permitirá uma revolução, renovação e expansão de nomes, origens e valores que exercerem forças na indústria editorial. Finalmente existe uma igualdade, mesmo que ainda tecnicista, entre a “receita básica importada de sucesso”, os grandes sobrenomes representantes da nossa cultura e o representante de nossa cultura, povo e escrita por alguém que ainda não tenha o devido reconhecimento. Pois todos estão na mesma prateleira virtual, o que muda é o entendimento da grandeza dos valores e as consequentes práticas.
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